Favelas unidas para reivindicar direitos

16 04 2010
Os moradores das comunidades da Caixa D’Água, 340, Mackenzie, Caramujo, Morro do Estado, Bonfim, Grota, Chacará, Boa Vista, Bumba, Garganta, Arroz e Morro do Céu, entre outras localidades de Niterói, estão revoltados com o descaso da prefeitura com a cidade.
Com a casa ameaçada de vir abaixo desde as chuvas da semana passada, a jovem Luane Bento dos Santos, de 26 anos, cruzou Niterói inteira de ônibus nesta quinta-feira (15/4) para lutar por seus direitos. Saiu da Garganta, em Pendotiba, para participar de ato que tomou as ruas do Centro de Niterói, organizado pelo recém-criado Comitê de Solidariedade e Mobilização das Favelas da cidade e apoiado por diversas organizações, sindicatos e movimentos sociais. De luto pelos mais de 170 mortos na cidade, mas com muita disposição para a luta, Luane se uniu aos cerca de 2 mil manifestantes que da prefeitura antiga até a nova sede da administração municipal sairam em passeata para cobrar uma política pública efetiva de moradia para a população.

O ato, que começou às 16h e reuniu moradores de 15 favelas de Niterói, demonstrou uma força até então inédita do movimento popular da cidade: diante da pressão, o secretário de governo da prefeitura, Michel Saad, entre outras autoridades, recebeu no seu gabinete dez representantes do Comitê das Favelas, que apresentaram a sua pauta de reivindicações, entre as quais a de que a moradia se torne uma política prioritária e que, emergencialmente, seja adotado um valor mais justo para o Aluguel Social, de pelo menos R$ 600. E, depois de mais de duas horas de reunião, a autoridade assumiu o compromisso de confirmar, até esta sexta-feira (16/4), a realização de uma reunião do prefeito Jorge Roberto Silveira com o Comitê, a ser realizada na próxima terça-feira (20/4), com base na pauta de reivindicações do Comitê. Se este não for ouvido, é certo, segundo os organizadores, que haverá novo ato na cidade em breve e com a meta de levar pelo menos o dobro de manifestantes às ruas.

Em frente da sede antiga da prefeitura, durante a concentração para o ato, o som de violinos da Orquestra de Cordas da Grota do Surucucu — que tem alguns de seus integrantes desabrigados — encheu de emoção os manifestantes antes do início da caminhada até a prefeitura nova, onde as portas foram encontradas fechadas e vigiadas por guardas municipais. E o expediente, antecipado extraordinariamente das habituais 19h para 15h. Parentes de vítimas e desabrigados depositaram velas, cruzes e coroas de flores na escadaria do prédio, toda ocupada. Foi preciso uma negociação prévia para garantir a entrada dos representantes do Comitê e o acesso da imprensa ao prédio e ao resultado da reunião, que acabou por volta das 21h, sobre o destino das mais de 7 mil pessoas ainda desabrigadas e alojadas temporariamente em escolas, clubes, igrejas e casas de parentes.

“Numa cidade abandonada pelo prefeito em favor dos interesses da especulação imobiliária, é muito importante fortalecer essa iniciativa da criação do Comitê das Favelas. E é muito importante respeitar o protagonismo dessas comunidades, em legítima batalha por seus direitos”, disse o deputado estadual Marcelo Freixo, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Alerj. Além dele, o vereador Renatinho, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Niterói, participou do ato. Para Luane, que foi uma entre os escolhidos pelas comunidades para representar o Comitê na reunião, toda essa tragédia mostrou que a cidade não é feita só de asfalto e orla e que os pobres estavam escondidos atrás dos prédios. E ela não pensou duas vezes antes de participar do ato: “As pessoas estão cansadas, mas está na hora de mostrar a cara real de Niterói. Resolvi participar porque não acredito em soluções individuais para a nossa situação, como casas de parentes ou abrigos.  É preciso construir uma luta coletiva por nossos direitos. Vieram ao ato, além de mim, umas vinte pessoas da Garganta, mas vou lutar para mobilizar muito mais gente para essa luta”, explicou Luane, formada em Ciências Sociais e integrante de uma população que ainda deve enfrentar por muito tempo o legado de luto e riscos sociais e ambientais consequentes do descaso do poder público com a infraestrutura e com a população pobre da cidade. A luta de Luane, portanto, e dos moradores das favelas de Niterói promete se estender ainda por muito tempo.

Fonte: Mandato Marcelo Freixo