No Rio, política habitacional é remoção de favela

3 02 2010

Por Sheila Jacob, para o Brasil de Fato

No início deste ano, o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PMDB) já deu mostras de que vai continuar pecando em relação às políticas públicas de habitação e no tratamento dispensado à população pobre das favelas. No dia 7, a Secretaria Municipal de Habitação divulgou uma relação de 119 comunidades que serão removidas até 2012. O motivo seria o fato de estarem em locais de risco de deslizamento ou inundação; em áreas de proteção ambiental; ou em espaços que deverão ser destinados a investimentos públicos.

Mas, de acordo com Marcelo Braga, da coordenação nacional da Central dos Movimentos Populares (CMP), a definição de “áreas de risco”, usada normalmente como justificativa para as remoções, é muito vaga e pode ser aplicada a diversos lugares, segundo vontades individuais. Ele destaca que esse mesmo motivo não costuma valer para bairros como Ipanema, Urca e Leblon, áreas nobres do Rio. “Será que vão ser derrubados também os grandes prédios da Zona Sul, condomínios e mansões em situação de risco? Será que serão feitas obras de contenção nesses locais, como muros e barreiras? Existe alguma dúvida do que será feito, e onde?”, provoca. Para ele, o que está por trás do anúncio de remoção das favelas é uma velha política que só visa atender aos interesses de um pequeno setor da sociedade ligado à especulação imobiliária.

A advogada Célia Ravera, ex-presidente do Instituto de Terras do Estado do Rio (Iterj), também critica a remoção das famílias. Para ela, a ocupação dos centros urbanos é fundamental. “Acho que os movimentos sociais devem continuar batalhando para que as áreas centrais da cidade sejam ocupadas por comunidades de baixa renda”.

Segundo Célia, que hoje está trabalhando com regularização fundiária na Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, a população deve reivindicar seu direito sobre os prédios abandonados há muitos anos, sobretudo construções públicas, porque como o Rio de Janeiro foi a capital federal, esta é uma das cidades que tem mais prédios abandonados e não utilizados para serviço público. “Essa destinação social a prédios ociosos está inclusive prevista por lei. O que as organizações fazem ao lutar pelas ocupações é somente materializar leis que já existem, mas não são cumpridas”.

Já em relação às favelas, de acordo com ela, qualquer decisão tomada pelo poder público, como reassentamento ou desocupação, tem que ser vista em parceria com os moradores, garantindo condições justas de acordo.

Violência

Entretanto, a realidade parece bem distante desse ideal. Marcelo Braga, da CMP, conta um caso que testemunhou em 2009. Os moradores da ocupação do antigo Hotel Bragança, que fica na Lapa, procuraram a CMP no final do ano passado dizendo que representantes da Prefeitura estiveram por lá, fizeram o cadastro de quem ocupava o local e falaram que eles teriam que sair, pois o prédio estava condenado pela Defesa Civil. “Segundo a Prefeitura, eles receberiam o aluguel social de R$ 250 e seriam incluídos no programa Minha Casa, Minha Vida. As pessoas, pressionadas, acabaram aceitando a proposta, sob a ameaça de que viria o choque de ordem”.

Segundo o militante, algumas dessas pessoas viviam lá há 20 anos e receberam um documento sem assinatura e sem a especificação do tempo em que seria dado o aluguel. “Diante dessa situação de incertezas, conseguimos uma negociação com a Secretaria Municipal de Habitação. Será feito um outro documento que afirma o compromisso do aluguel social, desta vez assi

nado pelo secretário [Jorge Bittar]. Isso até que recebam a chave de uma casa, de preferência na área central, conforme a vontade e o interesse dos moradores”, esclarece Braga.

Para o coordenador, essa foi uma maneira de melhorar a situação, pois muitos já haviam assinado o acordo. “A nossa posição inicial, entretanto, era a de que não deveriam assinar nada e nem aceitar cheque algum, pois quem mora há 20 anos em algum local possui certos direitos. E, além disso, não havia ordem judicial”, relatou.

Leia mais sobre o assunto:

Olimpíadas ameaçam outras comunidades






Choque de ordem nas praias cariocas

1 02 2010

Desde que assumiu a prefeitura do Rio de Janeiro no início de 2009, Eduardo Paes e o secretário de ordem pública, Rodrigo Bethlem, vêm implantando o choque de ordem no município. A ordem do choque é excluir os pobres, numa lógica marginalizante. Na nossa quarta edição (maio de 2009), tratamos do assunto (PARA BAIXAR A 4ª EDIÇÃO, CLIQUE AQUI) além de reportagem e capa, nosso cartunista, Tiago Carva, dedicou esta HQ à Incapaes e Rodrigo Batem. (clique na figura para ampliar).

O choque chegou às praias cariocas, sobre essa ação, o repórter Eduardo Sá escreve a excelente matéria para o Fazendo Media. Vale a pena conferir:

Por Eduardo Sá, do Fazendo Media

Tenda de Gerenciamento (TG) do Choque de Ordem em Ipanema. Cada TG tem 4 reboques, um carro elétrico, 2 segways (patinete elétrico) e 2 pick-ups, segundo a Seop. Foto: Eduardo Sá/fazendomedia.com.

As praias do Rio de Janeiro são um cartão postal brasileiro para os turistas, e um espaço de lazer popular e democrático para os cariocas. Desde o dia 08 de dezembro de 2009, entrou em vigor a Operação Choque de Ordem na orla da capital fluminense, projeto da Prefeitura Municipal regido pela Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop). A reportagem conversou com cerca de dez barraqueiros e alguns ambulantes em cada bairro, do Leblon ao Leme, para ter uma impressão das implicações dessa iniciativa.

A área piloto fica entre o Arpoador e o Leblon, mobilizando cerca de 400 homens divididos em três turnos diariamente nas areias. Este contingente será aumentado gradativamente, estendendo o modelo de fiscalização até atingir todas as praias entre o Flamengo e a Macumba. A Seop, órgão responsável por toda atividade econômica em logradoro público, declarou que arca basicamente com o custo dessa mão de obra e os reboques. O resto do equipamento, que vai desde quadriciclos à padronização das barracas, fica por conta do convênio, de 5 anos, com as associações de barraqueiros: Ascolpra (zona sul), Asquibarra (Recreio), Praia S.A (Barra) e Abafla (Flamengo). A Associação dos Barraqueiros da Cidade do Rio de Janeiro – PróRio, criada há cerca de dois meses, é a responsável pela administração do convênio concessionário.

Quiosque revitalizado no calçadão de Copabana. Toda a orla carioca será atendida por esse modelo, padrão monopolizado pela empresa Orla Rio. Foto: Eduardo Sá/fazendomedia.com.

Antes da entrada da PróRio houve uma polêmica, noticiada na imprensa tradicional, que resultou no afastamento da Orla Rio Associados, empresa que detém, por concessão da prefeitura, o monopólio da exploração dos 309 quiosques entre o Leme e o Pontal (exceto a Praia da Reserva). Ela também queria entrar no negócio nas areias, como investidor e instalando uma Central de Apoio de Abastecimento onde seria vendidos e guardados o gelo, bebidas, e demais mantimentos dos barraqueiros, ao preço deles, claro. Todo o material hoje disponível nas praias foi por ela investido, mas seu presidente, João Barreto, não esclareceu ao Fazendo Media (FM) o porquê do afastamento: afirmou, pessoalmente, que há alguns meses decidiu não dar declarações à imprensa. A pessoa indicada por Barreto na Orla Rio, Antônio Abreu, declarou que “não fala sobre essa polêmica, pois a empresa não está mais no convênio”.

João Marcello Barreto, vice presidente da Orla Rio, filho do “Barretão”, era até o mês passado presidente da PróRio. A entidade ficava na sede da Orla Rio, na Estrada do Joá, quando veio à tona as denúncias graças às manifestações dos barraqueiros. Então foi eleito em seu lugar o também presidente da Ascolpra, Paulo Juarez da Silva, e sua sede passou a ser em Copacabana. O cenário apresenta uma relação hermética entre o público e o privado, num convênio com o representante dos barraqueiros no meio sendo criticado por muitos trabalhadores. “Paulinho”, como é conhecido pelos barraqueiros, afirmou que “no momento a gente não tem parceiro nenhum. A Orla Rio saiu fora, doou o material que está estimado em aproximadamente 1.100.000, se não me engano.” Todo o dinheiro que movimenta o que está em vigor fora os fiscais e os reboques, confirmou, é ainda capital investido pela Orla Rio.

Toda a praia padronizada em amarelo em referência à Ambev, uma das empresas que estão negociando o patrocínio do convênio. Foto: Eduardo Sá/fazendomedia.com.

A negociação do patrocínio está em processo, com a Ambev e a Itaipava. Hoje a praia está com todos os guarda-sóis e cadeiras amarelos, padronizado, em referência à Ambev. As empresas estão proibidas de estampar sua propaganda, só vai poder nos uniformes, diferentemente dos quiosques. No começo eram todos vermelhos, da Itaipava, mas tudo mudou, um enigma para a maioria dos trabalhadores. “As duas devem entrar, já está em negociação. Elas entram com o kit completo, vai mudar tudo se for a Itaipava. Por enquanto está sendo mantido o amarelo lá, que era o material que se tinha disponível”, afirmou Paulo Joarez.

Segundo Rodrigo Bethlem, secretário de Ordem Pública, “a praia está de cara nova, com mais conforto e ordenamento. O objetivo do Choque de Ordem nas Praias é oferecer ao carioca e a todos que chegam à Cidade mais segurança, tranqüilidade e qualidade na principal área lazer da região”. Visão completamente distinta dos trabalhadores, que em sua maioria está descontente com as mudanças.

A visão dos barraqueiros

charge por Diego Novaes

Muitas queixas convergiram, por parte dos barraqueiros, denunciando as dificuldades e prejuízos gerados pelo Choque de Ordem: antes trabalhavam com no mínimo 100 cadeiras de praia, alguns com até 300, e agora têm a limitação de 80, conquistada por pressão contra as 60 previstas na lei (vale ressaltar que as barracas e o guarda sol, este limitado em 40 unidades, são os serviços que mais geram lucro aos trabalhadores, pois o custo não é permanente como o das bebidas); o isopor para armazenar as bebidas também foi limitado, em três unidades, agora de fibra – muitos barraqueiros reclamaram do peso para transportá-lo e que demora o dobro de tempo para gelar, portanto estão gastando o dobro em gelo. Todo o kit do novo modelo é disponibilizado gratuitamente para o barraqueiro, desde que ele seja associado.

Em relação às cadeiras e barracas, há dois aspectos interessantes. Os grandes hotéis da Orla, como é o caso do Caesar Park, em Ipanema, têm suas cadeiras e barracas estampadas com o seu logo aos clientes concorrendo com os barraqueiros na areia. E o outro é o jornal O Globo, que lançou há três meses uma promoção aos seus assinantes: cada carteirinha apresentada em determinados pontos da praia (8 pontos, distribuídos em Leblon, Ipanema, Copacabana e Barra) tem direito a 2 cadeiras e 1 guarda sol, são 50 cadeiras e 25 barracas disponíveis em cada ponto, de 9h às 18h. A reportagem soube desse serviço através das reclamações dos barraqueiros, indignados com a limitação dos seus materiais e a concorrência desnecessária, segundo eles, já que não é desse serviço que o maior jornal carioca tira o seu sustento.

Promoção do jornal O Globo criticada pelos barraqueiros, devido à concorrência no aluguel das cadeiras e barracas. Foto: Eduardo Sá/fazendomedia.com

A lei da oferta e demanda impera, se tem menos material o preço aumenta. Muitos clientes estão insatisfeitos, o aluguel de uma cadeira que antes era 2 ou 3 reais, está no mínimo 4 e no carnaval, afirmaram muitos barraqueiros, vai ser pelo menos 5. Questionado sobre o prejuízo que os trabalhadores estão tomando, o presidente da PróRio afirmou que “tem barraqueiro que abusa, tem aumentado o preço do aluguel por conta própria. O barraqueiro só quer benefício, ele nunca foi fiscalizado durante esses 20 anos, sempre pediu para ser fiscalizado e agora que está sendo está chiando. E ninguém está usando as 80 cadeiras, eles dão um jeito de burlar”.

Essas críticas dos trabalhadores também foram apresentadas ao secretário Rodrigo Bethlem, que declarou que “a Prefeitura não reduziu e sim ampliou o número de cadeiras e guarda-sóis disponibilizados pelos barraqueiros. Passou de 60 cadeiras para 80 e de 30 guarda-sóis para 40. O que a Prefeitura não permitirá é que a praia seja privatizada.” A mesma posição do representante da categoria dos barraqueiros.

Foram proibidos temporariamente a venda de coco, o número de funcionários na barraca acima de dois trabalhadores, o chuveiro, a venda de mate em galão, entre outros fatores. Mas muito criticados, voltaram à normalidade anterior. Hoje continua proibida a venda de alimentos e bebidas não industrializadas, ou em garrafas de vidro; a prática de esportes tradicionais da cultura da praia, como frescobol, altinha, vôlei na beira da água entre 8h e 17h; a presença de animais nas areias, etc.

Novo modelo de barraca, proposto pelo convênio dos barraqueiros, mas criticado pelos trabalhadores. Ao fundo, o modelo antigo, prático de montar e sem perigo de ferir com parafusos os barraqueiros ou clientes . Foto: Eduardo Sá/fazendomedia.com.

A crítica apontada por praticamente todos os barraqueiros, foi o novo modelo de barraca que estes têm de usar: pesada, com cerca de 45 parafusos, precisa de duas pessoas em média para montá-la gastando pelo menos uma hora, e idosos não conseguem. Além das mutilações e remendos já realizados, este por falta de peças para a reposição e aquele pelos parafusos que arranham e até perfuram os trabalhadores [cicatrizes foram apresentadas]. Segundo Rodrigo Bethlem, “o novo modelo de barraca foi proposto e apresentado pelos próprios barraqueiros e suas respectivas associações. No entanto, diante das críticas de alguns barraqueiros, fizemos uma reunião com as associações para saber das possibilidades de adaptações a fim de que se tenha uma melhor performance de montagem e reposição de peças das barracas.”

Paulo Joarez, argumentando sobre as reivindicações dos barraqueiros apresentada pelo repórter, diz, entre outras observações que “a principal reivindicação foi voltar para os seus pontos, a gente já conseguiu [o FM conversou com barraqueiros que ainda não estão nos seus pontos de origem e a sua clientela conquistada em anos]. Aumentar o número de cadeira a gente conseguiu, não o desejável, estou tentando negociar pelo menos 100 cadeiras, passou de 100 a gente não vai conseguir. Agora é a mudança da tenda, isso está sendo mais difícil e a prefeitura não quer abrir mão do modelo que foi escolhido”. O modelo foi escolhido pelos próprios representantes dos barraqueiros, através do convênio.

Joarez foi criticado por muitos barraqueiros, que não se sentem representados pela associação. Ocorreu, inclusive, em dezembro passado, uma manifestação espontânea sem vínculo com as associações. A Ascolpra existe há 10 anos, se mantém com a parceria de empresas e a contribuição mensal de 20 reais dos 360 associados. Na sua visão, “antes do projeto todo mundo era a favor da Ascolpra, quando entrou a Orla Rio, que já saiu, mudou. Todo o material que está na orla é nosso. Eu não sou obrigado a dar o material a ele, e ele diz que eu não represento mas paga a mensalidade porque ele quer o benefício: kit, cadeira, barraca, isopor. Tem 191 barracas lá, ninguém rejeitou. Então na hora do benefício a Ascolpra representa, e na hora dos deveres não?”

Os fiscais passam duas vezes ao dia para checar a titulação da barraca com o proprietário e fazer cumprir as novas exigências. Foto: Eduardo Sá/fazendomedia.com.

Os fiscais passam nas barracas cerca de duas vezes por dia, marcando a presença do titular e conferindo as exigências: os barraqueiros pegam às 7h e largam às 21h, horário previsto nas leis para o verão, sujeitos a perder o ponto com as três faltas na semana ou atrasos – cultura incompatível com o trabalho de décadas dos barraqueiros, sem falar nas condições climáticas das estações do ano, muitos apontaram. O verão, que é o período mais movimentado, sobretudo o carnaval, com essas limitações todas seus lucros vão diminuir consideravelmente. Não vão arrecadar o suficiente para gerar alguma tranqüilidade no inverno.

Outro aspecto cultural é abrir o coco para comer sua carne, agora inviável pois os barraqueiros estão proibidos de usar facões: recebem uma ferramenta para fazer o furo, mas os quiosques no calçadão continuam com os facões e produzindo alimentos. As barracas têm de ficar 50m distantes umas das outras, cada uma com 9m², e devem recolher todo o lixo ao redor que não dá vazão na lixeira disponibilizada.

Ambulantes impedidos de trabalhar

Mas os barraqueiros não foram os mais prejudicados. Os ambulantes que vendem na areia espetinho de camarão, espetinho de queijo coalho, cuscuz, amendoim, açaí, dentre outros alimentos não industrializados, e devem ser tratados como comerciantes segundo a Seop, estão proibidos de trabalhar. A maioria deles vive disso desde crianças. A justificativa da lei é que os alimentos não têm certificado de procedência, podem estar estragados. Ou no caso do queijo coalho, há o perigo de se queimar com o carvão. Casos excepcionais, senão não venderia tanto por tantos anos. Mesmo assim não foram geridos mecanismos ou subsídios para criar alternativas aos trabalhadores.

O FM falou com muitos deles, que estão alertas, qualquer coisa correm da polícia, os trabalhadores, honestos. É o caso de Fabio Almeida, que vende cuscuz há 16 dos seus 23 anos, vem todo dia de sol de Miguel Couto (leia-se horas de viagem) para a orla da zona sul. Ele vende a 2 reais um pedaço, tira em média de 70 reais num tabuleiro, de onde gasta a passagem, água e alimentação durante a caminhada, num sol de matar – já teve seu serviço apreendido uma vez. Guilherme da Silva, que vende amendoim, é outro que trabalha escaldado com a polícia. Disse que compra seu produto no supermercado Zona Sul, portanto paga imposto, e vende no convencional 1 é 2 reais, e 3 custa 5. Faz isso desde os 10 anos, hoje tem 37, tira em média 60 reais, agora escondido. Em geral os trabalhadores da areia vêm de longe, e ganham a vida com isso há anos.

A prefeitura apenas colocou em vigor uma lei que existe há mais de 20 anos, exigindo dos profissionais um caderno de encargos que eles se negavam a cumprir. Copacabana e Leme devem sofrer essas alterações a partir do início de fevereiro, segundo a Seop.

Paulo Joarez, presidente da Ascolpra e do PróRio, representante dos barraqueiros. Foto: Eduardo Sá/fazendomedia.com.

As praias ficaram mais acessíveis com a recente inauguração do metrô da Praça General Osório, no início de Ipanema. Apesar de mais banhistas podendo circular, o serviço oferecido nas areias diminuiu e encareceu com o Choque de Ordem. “O choque de ordem é necessário, nunca teve. O barraqueiro nunca sofreu fiscalização nesse período todo, acho que se você quer evoluir, fazer um projeto, uma mudança de cultura e comportamento, você tem que ter um órgão fiscalizador. O nível de segurança melhorou muito, o motivo que teve mais eficiência devido ao policiamento que estava na praia.” Essa declaração é do presidente da Associação, mesmo argumento da prefeitura, eis a situação dos trabalhadores da areia. Tudo em nome da segurança e tranquilidade.






Pndh III e a luta pelos direitos humanos no Brasil

25 01 2010

Por Fazendo Media

A ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, o FENDH – Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos, o MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos e a Plataforma Dhesca Brasil – Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais, que reúnem centenas de organizações e movimentos sociais em todo o Brasil, manifestam, por meio desta nota, seu apoio ao III Programa Nacional de Direitos Humanos que, desde sua publicação, tem causado forte reação contrária de setores conservadores da sociedade brasileira.

Formulado de maneira transparente, dentro de um processo que envolveu grande participação popular, consultas públicas e conferências municipais, estaduais e nacional, com a presença de 14.000 representantes do poder público e da sociedade civil, o PNDH III caminha no sentido da efetivação de uma política real de Direitos Humanos, fundamental para a construção de um país democrático para todos e todas. Assim, é imprescindível tocar em questões como a democratização da propriedade e dos meios de comunicação e a abertura dos arquivos da ditadura militar (1964-1985). O Programa é pioneiro ao discutir a relação entre modelo de desenvolvimento e Direitos Humanos, afirmando também a impossibilidade de efetivar os direitos no Brasil se não forem combatidas as desigualdades de renda, raça/etnia e gênero e a violência nos centros urbanos e no campo.

Infelizmente, a ofensiva levada a cabo por setores da imprensa e de alas conservadoras da Igreja, militares e ruralistas, entre outros, tenta disseminar uma visão anacrônica dos direitos humanos, reagindo violentamente a qualquer tentativa de mudança deste quadro no país. O debate sobre o PNDH III tem sido sistematicamente tolhido pelos meios de comunicação comerciais, que dão voz a apenas um lado, reforçando os argumentos que apontam para a necessidade de construção de uma mídia plural e democrática. Se esquecem, contudo, de colocar que a elaboração do PNDH é um compromisso internacional assumido pelo Brasil em 1993, na Conferência de Viena, que recomendou em seu plano de ação que os países elaborassem Programas Nacionais de Direitos Humanos, por meio dos quais os Estados avançariam na promoção e proteção dos direitos.

Neste sentido, o Programa dá um passo adiante em relação ao que existe desde o governo FHC (PNDH I – 1996 e PNDH II – 2002), e concretiza o que já está ratificado nos inúmeros Tratados Internacionais que o Brasil assina no âmbito das Nações Unidas e do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

A ABONG, o FENDH, o MNDH e a Plataforma Dhesca chamam a atenção para a necessidade de avançarmos na proposição e efetivação de políticas públicas ligadas aos Direitos Humanos como pressuposto para a construção da sociedade que queremos. Acreditamos que o Programa Nacional de Direitos Humanos representa esse passo necessário e urgente de garantir uma vida com dignidade para todos(as) os(as) brasileiros(as).

Brasília, 12 de janeiro de 2010.

ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
www.abong.org.br

FENDH – Fórum Nacional de Entidade de Direitos Humanos
www.direitos.org.br

MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos
www.mndh.org.br

Plataforma Dhesca Brasil – Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais
www.dhescbrasil.org.br

(*) Carta aberta publicada originalmente na Plataforma Dhesca Brasil.





“Direita” raivosa?

21 01 2010

Nas últimas semanas, tem se discutido muito acerca do Programa Nacional de Direitos Humanos. A mídia grande, assim como em 64 em que apoiou o golpe militar, comprou a briga do ministro da defesa Nelson Jobim que achou “injustiça” o capítulo do projeto que prevê a punição para os militares.

Os últimos acontecimentos mostram uma verdade escondida pela grande mídia: os militares, as elites econômicas em sua maioria são contra os direitos humanos dos militantes de esquerda, dos pobres, dos negros, dos favelados, dos gays etc. Na última sexta-feira, dia 15 de janeiro, numa homenagem aos combatentes da esquerda que morreram torturados, assassinados sem julgamento, houve uma ameaça de bomba, que, ao que tudo indica, pode ter sido implantada por militares raivosos com a celebração de grandes lutadores por um mundo justo e igualitário. Não há nenhuma prova de que a ameaça tenha sido feita por militares, mas não podemos apagar da história brasileira, capítulos sangrantos como os anos de terror contra quem buscava justiça social e lutava contra o regime autoritário nos anos de chumbo.

A ameaça de bomba não pode ser utilizada como mais uma das provas de que os militares querem (como demonstra a charge de Latuff) apagar, na marra, a história de terror cometido por eles, mas nos traz a lembrança de que ainda vivemos num mundo em que os direitos humanos existem para poucos. Para comprovar este fato, basta visitar uma favela, no Rio de Janeiro, por exemplo, e perguntar aos moradores se os direitos humanos deles são garantidos, se não sofrem abusos por parte de polícia e varejistas de droga, com extorsão, execução sumária, tortura, invasão de domicílio entre outros. Só um lembrete: para comprovar isso, é necessário despir-se do preconceito construído, com a ajuda da mídia grande, diga-se de passagem, contra o povo favelado. Apagar a história e anistiar o horror é permitir que o desrespeito contra a dignidade humana continue impune.

A reportagem sobre a ameaça de bomba é da Agência Petroleira de Notícias, leia abaixo:

Ameaça de bomba no Centro Cultural da Caixa

Por Agência Petroleira de Notícias, 18-01-10

Durante homenagem a Carlos Mariguella, Mário Alves, Maurício Grabois, Sonia Angel e a outros combatentes desaparecidos na ditadura militar, houve uma ameaça de bomba que obrigou todos os que estavam na sede do Centro Cultural da Caixa, no centro do Rio de Janeiro, a evacuarem o prédio. A atividade acontecia na noite de 15 de janeiro, sexta-feira. O prédio foi evacuado antes das 22 horas, quando se encerraria o debate, seguido da entrega de diplomas aos familiares dos mortos/desaparecidos, depois da apresentação do documentário sobre Mariguella.

Essa é a noção de direitos humanos dos militares e das elites. Charge por Carlos Latuff

O evento foi organizado pelos grupos Tortura Nunca Mais/RJ, Marighella Vive e Exposição Marighella. O ato teve início com a exibição do filme do Sylvio Tendeler sobre Marighella. Após o filme, o debate chegou a acontecer.  No momento em que as homenagens aos que tombaram à época da ditadura deveriam começar, chegou a ordem para que todos deixarem o recinto, (eram mais de 100 pessoas), porque a administração do prédio recebeu um comunicado de que haviam colocado uma bomba no local.

Os diplomas foram entregues aos familiares de alguns dos mortos/desaparecidos: Sônia (neta de Cléia Moraes) recebeu em nome da família a homenagem à Sônia Moraes Angel Jones; Zilda Xavier, em nome de seus filhos Yuri e Alex Xavier; Ana Müller representou a família de Mário Alves; Victória Grabois, por seu pai Maurício Grabois, seu irmão André Grabois e seu marido Gilberto Olímpio.





Um camponês contra Kátia Abreu

16 01 2010

Eduardo Sales de Lima, do Brasil de Fato

O camponês Juarez Vieira Reis foi expulso em 2003 da terra onde vivia desde o seu nascimento, em Tocantins, graças a uma intervenção judicial a pedido da senadora Kátia Abreu (DEM/TO). É que ela recebeu as terras de Juarez de presente do ex-governador tocantinense Siqueira Campos. O Projeto Agrícola Campos Lindos, criado em 1999, expulsou dezenas de pequenos posseiros de suas terras para entregá-las a figurões políticos e endinheirados, entre eles, a presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), entidade que aglutina grandes proprietários rurais.

Entre as terras “doadas” por Siqueira Campos a Kátia Abreu, estavam os 545 hectares onde Juarez vivia desde o seu nascimento: a fazenda Coqueiro. Em dezembro de 2002, a senadora entrou com uma ação de reintegração de posse da área que lhe havia sido presenteada. Ela passou por cima da ação de usucapião em andamento, que dava respaldo legal à permanência da família de Juarez no imóvel. A Justiça de Tocantins aprovou a reintegração de posse e expulsou o posseiro e seus parentes.

Invasora

O despejo de Juarez, sua esposa, dez filhos e 23 netos ocorreu em abril de 2003, sem nenhum aviso prévio. Ele não pôde recolher suas criações, tanto de galinhas como de porcos, nem colher os alimentos que produziam, como mandioca e arroz. Tudo teve que ser abandonado.

A família rumou para uma chácara do filho de Juarez, nos limites de Campos Lindos, onde vive até hoje. O genro de Juarez, Rui Denilton de Abreu, aponta para um fato pouco divulgado na imprensa. Ele afirma que alguns dias depois de a família ter se alojado na casa, ocorreu um incêndio suspeito no local. “Isso foi intencional. Na minha consciência, eu sinto que isso foi um atentado à família dele. E o próprio boletim de ocorrência diz isso, que o fogo foi de cima pra baixo e de fora pra dentro. Foi acidental?”, questiona.

Passados mais de sete anos, cerca de 20 pessoas da família repartem hoje apenas dois cômodos de uma casa de sapê. E as refeições seguem irregulares. Segundo Juarez, apesar disso, o período após o despejo foi o que mais o preocupou em termos de alimentação.“Eu passava a noite inteira sem dormir, preocupado, pensando: ‘será que eu vou ser obrigado a pedir comida nas casas, eu que sempre vivi de barriga cheia? Hoje eu vou ver a minha família assim por causa de uma senadora?’”, refletia.

“São sete anos nesta situação, e eu já estou com 61. Tenho medo é de morrer e deixar esse problemão para a família. Se tivesse na frente dela, eu perguntava, em primeiro lugar, se ela tem filho, se ela gostaria de ver um filho dela sofrendo igual ela está fazendo a minha família sofrer. Se ela achava bom”, desabafa.

Resistência

Mas, mesmo não tenho Kátia na sua frente, Juarez a enfrenta. E, diferentemente dos posseiros expulsos para as reservas do Cerrado, o agricultor decidiu lutar por seus direitos, pelo imóvel no qual sempre viveu. Ele tem em mãos documentos da propriedade, dos quais um data de 1958. O processo está em andamento pela Comarca de Goiatins.

Há cinco meses, ele foi à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e conseguiu forçar o Tribunal de Justiça de Tocantins a julgar tanto a ação de usucapião de 2000 como o pedido de liminar impetrado há seis anos para garantir a volta da família.

Enquanto isso, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Luiz Couto (PT-PB), encaminhou um ofício ao Conselho Nacional de Justiça para denunciar a influência de Kátia Abreu na Justiça do Tocantins e apressar os processos de pequeno agricultor.

Em nota, Kátia afirmou que é proprietária de terras no município de Campos Lindos, devidamente escriturada. Afirma ter “a posse mansa e pacífica da mesma desde a sua aquisição” e que Juarez Reis é “invasor contumaz de terras alheias”.





Direitos Humanos: porque nossa idiotice não tem limites

16 01 2010

Por Leonardo Sakamoto

Bandido bom é bandido morto… Tinha que ser preto mesmo!… Baiano quando não faz na entrada faz na saída… Mulher no volante, perigo constante… Sabe quando pobre toma laranjada? Quando rola briga na feira.

– Amor, fecha rápido o vidro que tá vindo um escurinho mal encarado.
– Aquilo são ciganos? Vai, atravessa a rua para não dar de cara com eles!
– Não sou preconceituoso. Eu tenho amigos gays.
– Tá vendo? É por isso que um tipo como esse continua sendo lixeiro.
– Por favor, subscreva o abaixo-assinado. É para tirar esse terreiro de macumba de nossa rua.

Os sem-terra são todos vagabundos que querem roubar o que os outros conquistaram com muito suor.
A política de cotas raciais é um preconceito às avessas.
Os índios são pessoas indolentes. Erra o governo ao mantê-los naquele estado de selvageria.
As rádios comunitárias são um crime. Derrubam até aviões.
Tortura deve continuar sendo um método válido de interrogatório.

– Uma puta! Alguém pega o extintor para jogar nessas vadias.
– Um índio! Alguém pega gasolina para a gente atear fogos nesses vagabundos.
– Um mendigo! Alguém pega um pau para a gente dar um cacete nesses sujos.

E, no Brasil, tem gente que não entende a razão de um programa de direitos humanos ter que ser amplo. Porque a nossa idiotice não tem limites.





DIREITOS HUMANOS: INTERESSES PRIVADOS CONTRA POLÍTICAS PÚBLICAS

14 01 2010

Por Marcelo Salles, do Fazendo Media

Já são 20 dias de intenso bombardeio contra o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Ontem o Jornal da Band (veja artigo do Azenha), apresentado por Bóris CCCasoy (veja reprodução da reportagem da revista cruzeiro de 68 sobre o CCC- Comando de Caça aos Comunistas), levou ao ar uma pseudo-reportagem. O texto fala que o decreto do PNDH-3 é criticado por “especialistas”, mas usa uma única fonte – o insuspeito Ives Gandra Martins. E não diz que o Programa foi assinado por nada menos que 31 ministérios. A Band chama de autoritário um texto que propõe, recomenda, apóia, fomenta. E diz ser autoritária uma proposta concluída após dezenas de conferências, ou seja, chancelada por intensa participação popular. Além disso, a Band afirma erroneamente que o PNDH-3 é uma lei, um erro crasso, já que só quem poderá transformar o Programa em lei é o Congresso Nacional. As demais corporações de mídia, umas mais, outras menos, seguem pelo mesmo caminho. O Jornal Nacional, por exemplo, voltou a insistir na tese de que o PNDH-3 quer a revisão da Lei de Anistia, apesar de toda a imprensa nacional já ter sido avisada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos de que isto não é verdade. E quem pegar para ler o programa vai constatar: não há nenhuma menção à revisão da Lei de Anistia.

Contra a campanha de políticas PÚBLICAS de Direitos Humanos estão os interesses PRIVADOS de latifundiários e oligopólios de mídia, além de preconceitos medievais contra os setores LGBTs, praticantes de religiões afro-descendentes e as mulheres. Há também os interesses particulares de quem seqüestrou, torturou e assassinou durante a ditadura de 1964.

Ao fim e ao cabo, o presidente da República é quem vai decidir sobre a redação final do texto, fazendo os ajustes que achar melhor. E o governo vai seguir adiante. Quanto as corporações de mídia, aconteça o que acontecer, é possível dizer que nenhum ajuste será suficiente para recuperar a credibilidade perdida – o que, no caso, ficou evidente com a predileção editorial pela peruca da Dilma em detrimento do PNDH-3 em si, no dia de seu lançamento.





O chargista Latuff e o Programa Nacional de Direitos Humanos

11 01 2010

Texto e Ilustração por Carlos Latuff

Com todo esse burburinho sobre a revisão da Lei de Anistia prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, um discurso tem sido frequente. Que se deva apurar os crimes cometidos de ambos os lados durante o regime militar, tanto dos militantes de esquerda quanto das forças de repressão.

O que a primeira vista pode parecer uma posição de aparente equilíbrio, traz na verdade um conceito reacionário, de que a resistência armada a um regime de exceção seja vista como crime (criminalização).

Não nos esqueçamos de que os militantes de esquerda que lutaram contra a ditadura militar no Brasil já tiveram punição suficiente. Foram presos, cassados, implacavelmente torturados, executados, desaparecidos. Já seus carrascos, sem nenhum arranhão, escaparam tranquilos da Justiça, indo se refugiar nos braços da Lei de Anistia, inclusive reverenciados pelos seus atuais colegas de farda nos clubes militares da vida.

Levar ao banco dos réus ex-militantes que pegaram em armas para enfrentar fascistas no Brasil seria tão absurdo quanto julgar os partisans pelos atentados cometidos contra militares alemães durante a ocupação da França na Segunda Guerra Mundial. É confundir, maliciosamente, vítimas com algozes…mais uma vez.

Por isso, meus caros internautas, eu lhes trago este checklist, para que possam imprimir em papel cartão, num tamanho que caiba no bolso ou dentro da carteira. Quando o assunto for revisão da Lei de Anistia e alguém lhe disser que “ambos os lados devam ser punidos”, mostre essa charge, só como um lembrete de mais essa verdade inconveniente.